Reforma Trabalhista - Aspectos processuais - O que muda na rotina das reclamadas?
- bruno870
- 14 de jul. de 2017
- 9 min de leitura

A Lei 13.467/2017, denominada de “Reforma Trabalhista”, trará mudanças profundas nas relações de emprego, em especial no Processo do Trabalho.
A aprovação do texto-base pelo Senado Federal (11/07/17), sancionada na última quinta-feira (13/07/2017) pelo Presidente Michel Temer, trouxe discussões e polêmicas acerca de pontos envolvendo o direito material dos trabalhadores, mais especificamente a regulamentação da jornada intermitente (art. 443, §3º), a possibilidade de gestantes laborarem em ambientes insalubres (art. 394-A), o fracionamento das férias em três períodos (art. 134, §1º), entre outros pontos exaustivamente discutidos pela grande mídia, bem como enfraqueceu de modo substancial os sindicatos, haja vista o fim do imposto sindical obrigatório (art. 578), e a desnecessidade da participação dos sindicatos nos acordos coletivos (art. 510-A), que agora poderão ser feitos de forma direta entre patrão e empregados.
Contudo, esse artigo não visa discutir as benesses ou prejuízos que resultarão das mudanças de direito material, mas apresentar um olhar sincrético nas alterações processuais cotidianas mais relevantes advindas dessa reforma, pela ótica das reclamadas.
Litigar na Justiça do Trabalho em favor das reclamadas muitas vezes pode ser comparado a entrar em um jogo no qual as regras podem ser mudadas ao bel prazer do adversário no decorrer da partida. Tal prática é defendida por especialistas da área, fundamentada no pretexto de que “a Jurisprudência seria uma fonte de deveres e direitos das partes por ela estatuídos, ou de atribuição de competência ao órgão que tem de executar essa decisão”, seguindo os passos de Kelsen.
Ocorre que a discussão sobre a possibilidade do judiciário, seja por seus magistrados ou tribunais, elaborar normas a serem seguidas, esbarra na questão de ultrapassar os limites do judiciário, ao se tomar para si um papel legislativo.
Não se aprofundando muito na teoria do direito que permite ou não a interferência entre os poderes, a verdade é que a Justiça do Trabalho é regida majoritariamente por súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, muitas vezes em detrimento do próprio conteúdo da CLT, fato que gera insegurança jurídica a todos aqueles operadores do direito do trabalho, em especial, por óbvio, aqueles que figuram no polo passivo das demandas trabalhistas, haja vista o caráter protecionista dessa especializada.
É nesse ponto em específico que a aprovação da Reforma Trabalhista, a nosso ver, é muito positiva, principalmente considerando a edição do §2º do artigo 8º da CLT, que impede a Justiça do Trabalho de restringir direitos, e criar obrigações que não estejam previstos em lei:
CLT Art. 8º
(...)
§2º - Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
A dúvida que paira é se as Súmulas atualmente em vigor que violam artigos dispostos pela CLT serão automaticamente revogadas após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, ou, se por outro lado, como defendem alguns juristas, a referida alteração será declarada inconstitucional pelo STF, uma vez que a medida poderia impedir o controle de leis pelos princípios e valores constitucionais.
Outra mudança muito bem vista está no §3º do artigo 2º, combinado com o artigo 855-A, que restringe a caracterização de grupo econômico à demonstração efetiva de comunhão de interesses e a atuação conjuntas das empresas dele integrantes, bem como a necessidade de abertura de um incidente processual específico para esse fim, permitindo assim a ampla defesa dos requeridos, como já acontece com o novo CPC, vejamos:
Art. 2º, § 3º - Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.”
Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.
Não são raros os casos na Justiça do Trabalho de famílias inteiras devastadas em decorrência de algum membro que não obteve sucesso em seu empreendimento, cujos débitos foram direcionados para empresas de outros familiares, sem que sequer possuíssem relação negocial entre si.
A desconsideração da personalidade jurídica é feita de forma automática e banal pela Justiça Laboral, e na prática, muitas vezes não é permitida a oposição de embargos de terceiro, uma vez que a justiça trabalhista considera aquele recém-executado como parte, sem ao menos lhe conceder o direito ao contraditório. Como consequência, para que seja discutida a legitimidade processual do novo executado, exige-se deste a garantia integral da execução para que possa opor embargos à execução, constituindo-se em verdadeiro óbice no acesso a Justiça. Um verdadeiro absurdo!
Outro aspecto importante desse artigo é a limitação da desconsideração indiscriminada da personalidade jurídica. Existem diversos casos de execuções trabalhistas com dezenas de executados respondendo pelo débito, sendo que muitos deles sequer se conhecem.
Isso ocorre porque em um primeiro momento desconsidera-se a personalidade jurídica da empresa originária e chega-se ao patrimônio pessoal dos sócios. Após, incluem-se todas as empresas das quais esses executados sejam sócios, independentemente de sua participação social, poderes de administração, ou relação negocial entre elas. Não obstante, é possível desconsiderar a personalidade jurídica dessas novas empresas e direcionar a execução a esses outros sócios, que por sua vez também podem ser sócios de outras empresas, e assim sucessivamente.
A consequência prática é que a Justiça do Trabalho busca alguém para pagar a conta, não sendo relevante se esse alguém seria de fato responsável ou não por aquele débito. Ao que parece, a tirania chega ao fim, ao menos nesse quesito.
No embalo da limitação das empresas ao acesso à Justiça, em especial pelos altos valores atribuídos aos recursos, que podem chegar a até quase R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a reforma da lei possibilitou aos empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte o pagamento de metade do valor do depósito recursal, conforme §9º do artigo 899.
Segundo o SEBRAE, em 2011 as Micro e Pequenas Empresas (MPE) representavam 27% do PIB nacional, sendo que 95% das empresas do país eram consideradas como pequenos negócios.
Estima-se que nas atividades de serviço e de comércio as MPE representavam à época 98% e 99% respectivamente do total das empresas formalizadas, com aproximadamente 44% dos empregos formais em serviços e 70% dos empregos gerados no comércio.
Também é de fundamental importância a isenção do depósito recursal para empresas em recuperação judicial e a possibilidade de substituição do depósito por fiança bancária ou seguro garantia judicial (art. 899,§§10 e 11).
Art. 899-
§ 9º O valor do depósito recursal será reduzido pela metade para entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 10. São isentos do depósito recursal os beneficiários da justiça gratuita, as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial.
§ 11. O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.”
Em relação aos prazos prescricionais e sua aplicação, podemos pontuar mudanças importantes trazidas pela nova redação da CLT.
Já no artigo 10-A a reforma prevê que o sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade no período em que figurou como sócio, e somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a alteração contratual, exceto em casos de comprovada fraude na alteração societária.
A alteração é importante, uma vez que já presenciamos casos em que um empresário que se retirou de uma sociedade há mais de dez anos foi surpreendido por uma execução trabalhista daquela empresa, sendo responsabilizado pelo pagamento integral do débito de um funcionário que havia trabalhado poucas semanas no período em que ele ainda era sócio, e não são poucos os julgados que permitem esse tipo de conduta dos magistrados trabalhistas.
Com a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, o sócio retirante somente poderá ser responsabilizado parcialmente, em proporção a ser calculada de acordo com o período trabalhado pelo reclamante enquanto ainda era sócio, e desde que a ação trabalhista tenha sido ajuizada no prazo de até dois anos após a sua retirada.
Ficou assentado também que a interrupção da prescrição do direito de ação ocorre com o ajuizamento da reclamação da trabalhista, ainda que em foro incompetente (art. 11, §3º), e talvez a mais importante e sentida das alterações relativas à prescrição: houve a regulamentação da prescrição intercorrente no prazo de dois anos (art. 11-A), revogando de plano a Súmula 114 do TST que considerava o crédito trabalhista imprescritível.
Como já ocorre na esfera civil, os prazos na Justiça do Trabalho só correrão em dias úteis (art. 775), e o juiz poderá redistribuir o ônus da prova entre os litigantes, sendo obrigatória a comunicação prévia (art. 818, §1º).
É relevante também a alteração que impossibilita a desistência da ação após a apresentação da contestação, sem o consentimento da reclamada (art. 841, §3º), e a desnecessidade de vínculo empregatício do preposto (art. 843, 3º).
A ausência injustificada do reclamante à audiência será punível com a sua condenação ao pagamento das custas processuais, ainda que beneficiário da justiça gratuita, sendo esse pagamento condição para propositura de nova demanda (art. 844, §§ 2º e 3º).
Outra boa alteração é o fato de que a reclamada não sofrerá os efeitos da revelia caso não envie representante ou preposto à audiência, desde que haja o comparecimento do advogado, devendo ser aceita a contestação e os documentos apresentados. (art. 844, §5º).
Em casos de acordo entre empregado e empregador para pagamento de verbas rescisórias, as partes poderão peticionar conjuntamente minuta de acordo, desde que representados por advogados distintos, e que seja incluída a multa do artigo art. 477, §8º da CLT (art. 855-B).
Para obter os benefícios da justiça gratuita, o reclamante deverá comprovar o recebimento de salário inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios da Previdência Social, não bastando a mera apresentação de declaração de miserabilidade (art. 790, §3º). Também foi regulamentada a possibilidade de concessão desse benefício às reclamadas que comprovarem a condição de insuficiência de recursos para o pagamento das custas processuais (art. 790, §4º), fato que hoje é raro de ser visto na Justiça Laboral.
Outra inovação que traz maior segurança jurídica para as reclamadas é a possibilidade de apresentação de exceção de incompetência no prazo de 5 (cinco) dias da notificação, que suspenderá o processo (art. 800, caput e §1º). Após a decisão do incidente, o processo voltará ao seu curso, quando então será designada nova audiência e será reaberto o prazo para contestação (art. 800, § 4º).
Para finalizar essa breve análise acerca das alterações processuais que impactarão diretamente os casos mais rotineiros na Justiça Trabalhista, discorreremos sobre a regulamentação dos honorários advocatícios em termos muitos próximos ao visto no CPC/15, e que certamente balizará as reclamações trabalhistas daqui em diante.
É relativamente comum na Justiça do Trabalho o reclamante pedir “tudo” para ganhar “qualquer coisa”. Não são raros também os casos em que a pretensão autoral é de centenas de milhares de reais, enquanto as sentenças são de parcial procedência, condenando os reclamados a números irrisórios em comparação com o pleito inicial.
Por mais que quase metade das ações trabalhistas versem sobre verbas rescisórias, segundo levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, são poucas as que tem total procedência.
A prática, que de certa forma é fomentada pela Justiça Especializada, uma vez que, em regra, não existem quaisquer consequências para os reclamantes que pleiteiam verbas sabidamente indevidas, teve tratamento próprio na nova lei, e as consequências serão drásticas, seja por meio da condenação do reclamante ao pagamento de litigância de má-fé, seja pelo pagamento de honorários advocatícios à parte contrária, calculada sobre valor do proveito econômico obtido.
Importante consignar que o pagamento dos honorários será devido pelo reclamante ainda que seja beneficiário da assistência judiciária gratuita, mediante desconto do valor do pagamento da eventual condenação pela reclamada, ou de outro processo no qual seja credor.
O artigo 793-A e 793-B regulamentam os casos em que as partes poderão responder por “danos processuais”, no importe de 1% a 10% do valor corrigido da causa, destacando-se o inciso I do artigo 793-B:
Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso
Assim, aquele que demandar por verba já paga ou manifestamente indevida, poderá ser condenado ao pagamento de indenização por danos processuais.
Particularmente não acreditamos na aplicação desse dispositivo pelos juízes trabalhistas. A prática leva a conclusão de que essa prática abominável seria tolerável, em especial pela falta de condenação dos reclamantes flagrantemente mal-intencionados, destacando-se o despacho padrão para esse tipo de requerimento, e que deve continuar sendo visto nas futuras reclamações:
“LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO-CABIMENTO. HIPÓTESE. Não evidenciado o intuito do reclamante em lesar o reclamado, mas tão-somente o exercício do direito de ação, é incabível a aplicação da pena por litigância de má-fé, não bastando, para tanto, a improcedência do pedido.”
Contudo, ainda que nesses casos a condenação dos reclamantes por litigância de má-fé continue a ser exceção, a obrigatoriedade do pagamento de honorários advocatícios em termos muito similares ao visto no Novo Código de Processo Civil deverá coibir esse tipo de demanda temerária.
Isso porque o artigo 791-A determina a fixação de honorários de sucumbência entre 5% e 15% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido, ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
O §3º veda a compensação de honorários em caso de procedência parcial, enquanto o §4º determina que vencido o beneficiário da justiça gratuita, somente ficará suspensa a exigibilidade da verba honorária caso não tenha obtido em juízo, ainda que outros processos, créditos capazes de suportar as despesas.
Em suma, suponhamos que um reclamante ingresse com uma ação trabalhista no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), e ao final essa ação seja julgada parcialmente procedente, com a condenação da reclamada ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Nesse caso o reclamante deverá pagar honorários advocatícios, que serão calculados sobre o proveito econômico auferido, ou seja, sobre R$ 95.000,00 (noventa mil reais).
Considerando o patamar mínimo de 5% (cinco por cento) estabelecido pelo artigo 791-A, o reclamante deverá pagar R$ 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta reais) ao advogado da reclamada. Se o reclamante for beneficiário da assistência judiciária gratuita, o advogado da reclamada poderá descontar do valor pago como condenação os seus honorários, restando para o reclamante a quantia de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais).
Soma-se a isso o fato de o artigo 840, §1º obrigar o advogado do reclamante a discriminar o pedido, que deverá ser certo, determinado e com a indicação de seu valor, sob pena de extinção da ação sem resolução de mérito (§3º), acabando assim com reclamações trabalhista com valores genéricos e verbas descritas como “a apurar”, como é a praxe, agravando assim a situação daqueles que demandam sobre verbas indevidas.
No conjunto da obra, analisando as alterações estritamente processuais, mais especificamente aquelas do dia-a-dia de quem se vê no polo passivo das ações trabalhistas, acreditamos em um processo do trabalho mais justo, em uma diminuição das desigualdades processuais havidas entre reclamante e reclamada, e em maior segurança jurídica aos empresários e seus advogados.











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